Ordem dos Enfermeiros

recebe a ASPE



07 de agosto de 2025

A reunião realizou-se entre a Associação Sindical dos Portuguesa dos Enfermeiros (ASPE) e a Ordem dos Enfermeiros (OE), com o objetivo de debater temas de interesse comum para a profissão, nomeadamente questões relacionadas com dotações seguras, constrangimentos das carreiras, remuneração de funções de maior responsabilidade, formação especializada, medidas de retenção de profissionais, condições de trabalho e estratégias de valorização da classe.


Foram ainda abordados aspetos legislativos, negociações em curso com o Ministério da Saúde, bem como propostas de melhoria no âmbito organizacional e assistencial, com vista à defesa e valorização da Enfermagem em Portugal.


Neste encontro, a Ordem esteve representada pelo Bastonário Luís Filipe Barreira e pelos Vice-presidentes Ana Fonseca e João Paulo Carvalho. A comitiva da ASPE foi liderada pela Presidente Lúcia Leite, que esteve acompanhada pela Vice-presidente da Direção Álvara Silva, pelos Conselheiros Nacionais Ândrea Figueiredo e Filipe Alves e pelo Delegado Sindical Luís Reis.

Processo Negocial em curso com o Governo


A ASPE apresentou o seu Caderno Reivindicativo 2025-2026  e a proposta de alteração da Grelha Salarial, onde se incluem propostas de remuneração de funções, atribuições e responsabilidades, como por exemplo da supervisão clínica, do coordenador de UCC e dos enfermeiros do Conselho Técnico das USF, entre outras. O Bastonário mostrou a importância de se encontrar também formas de valorizar as competências acrescidas certificadas pela Ordem dos Enfermeiros, tendo a Presidente da ASPE mostrado disponibilidade para desenvolver propostas negociais nesse sentido.


A ASPE apresentou ainda a sua proposta de Acordo Coletivo de Trabalho  já entregue ao Governo, que na maioria das suas propostas se aproxima bastante da flexibilidade que o atual Governo pretende imprimir à organização do tempo de trabalho. O ACT da ASPE prevê normas regulamentares para horário concentrado, horário acrescido temporário, regime de 4 dias de trabalho por semana, benefícios de desempenho e redução do horário de trabalho em função da idade, compensação pelo risco e penosidade e compensação do trabalho por turnos.


Pontos Comuns entre sindicatos e Legislação


Foram debatidos pontos em comum entre todos os sindicatos, referindo-se que existem aspetos divergentes uma vez que a ASPE pretende um ACT que dê futuro à profissão e aos enfermeiros, que é muito mais do que harmonizar as condições de trabalho entre CIT e CTFP. 

Foram abordadas algumas fragilidades do Decreto nº 111/2024, de 19 de dezembro, identificadas pela ASPE e enviadas ao Governo aquando da consulta pública que, entre outras, podem originar novas inversões remuneratórias. 


Outros exemplos são a baixa diferença remuneratória entre categorias, não se ter alterado o limite de 25% de enfermeiros especialistas por instituição que é manifestamente insuficiente com a constituição das ULS e não se ter salvaguardado a progressão remuneratória em caso de concurso para a categoria de enfermeiro, o que limita a contratação de enfermeiros experientes para o SNS. 


Dentro deste tópico, foi mostrada a preocupação sobre a diminuição da procura da formação pós-graduada por parte dos Enfermeiros em resultado da pouca atratividade remuneratória da Categoria de Enfermeiro Especialista. Nas condições atuais, a falta de estímulo para os profissionais se especializarem vai comprometer não só o desenvolvimento técnico-científico da Enfermagem, como também o reforço da qualidade dos cuidados prestados, especialmente em áreas críticas que requerem competências diferenciadas.


A ASPE defende que existem aspetos que necessitam de ser introduzidos nas carreiras, designadamente alterar a limitação de 25% de especialista para o mínimo de 35% por instituição o que implica nova revisão legislativa.


Especialistas e Internatos


O Bastonário da Ordem dos Enfermeiros informou que já foi concluído o processo de entrega e que estará para breve o início do circuito legislativo relativo à criação dos Internatos em Enfermagem, uma medida há muito aguardada pela classe. Contudo, ainda se aguarda a aprovação dessa legislação que permitirá regulamentar o Internato de Enfermagem. Informa ainda que, paralelamente, foi feito um pedido formal à Ministra da Saúde no sentido de garantir que todos os Enfermeiros que já detêm título de especialista possam integrar, de imediato, a categoria correspondente na carreira, antes mesmo da implementação prática dos internatos. A proposta visa evitar situações de injustiça e desigualdade entre profissionais com competências já reconhecidas e os que no futuro ingressarem no novo percurso formativo.


De acordo com os dados apresentados pela Ordem, existem atualmente cerca de 6.000 Enfermeiros com especialidade atribuída, mas que, apesar disso, ainda não se encontram enquadrados na categoria de enfermeiro especialista. Este número significativo evidencia um desfasamento grave entre as qualificações profissionais e o reconhecimento formal na estrutura da carreira, com impactos diretos na motivação, progressão e remuneração destes profissionais.


O Bastonário informou ainda que o Ministério da Saúde se comprometeu a realizar um levantamento detalhado da situação, ao nível de cada Unidade Local de Saúde (ULS), com o objetivo de mapear com precisão quantos enfermeiros se encontram nesta situação e permitir, assim, uma eventual regularização em termos de enquadramento profissional e salarial.



Foi reforçado por parte da ASPE a importância, para os sindicatos, de se conhecerem e debaterem antecipadamente as propostas da Ordem dos Enfermeiros sobre o Internato de Enfermagem de modo a poderem estruturar propostas reivindicativas relacionadas com a organização do tempo de trabalho, remuneração de dispensa para realização do internato, matérias sobre as quais a Ordem está impedida legalmente de negociar.



Competitividade e Retenção de Profissionais


Foi abordada pela Ordem a crescente competitividade do setor privado em relação ao setor público na área da Enfermagem, com especial destaque para as significativas diferenças salariais atualmente existentes. Foi sublinhado que estas discrepâncias tornam o setor privado uma opção cada vez mais atrativa para os profissionais, não apenas do ponto de vista remuneratório, mas também em termos de condições laborais e oportunidades de progressão.



Foram apresentados exemplos concretos da degradação das condições de trabalho nas instituições do Serviço Nacional de Saúde (SNS), sendo o caso do Hospital de Vila Franca de Xira especialmente citado. Esta Unidade Local de Saúde (ULS) tem enfrentado dificuldades crescentes na retenção de recursos humanos qualificados, refletindo um cenário de desgaste estrutural e perda de capacidade assistencial que não é isolado, mas representativo de uma realidade mais ampla.


Adicionalmente, foi referido por parte da Ordem que atualmente recebe pedidos de declaração para efeitos de emigração de cerca de 60% dos Licenciados em Enfermagem no mesmo ano, revelando uma tendência persistente e preocupante. Este dado reforça a perceção de que as atuais condições oferecidas pelo Estado são insuficientes para reter profissionais, o que compromete a sustentabilidade dos serviços públicos de saúde.


O Bastonário da Ordem dos Enfermeiros alertou para a dificuldade crescente do Estado em competir com o setor privado, a menos que sejam criadas condições significativamente melhores para atrair e reter os Enfermeiros no SNS. Sem uma estratégia de valorização clara e eficaz, torna-se praticamente impossível evitar o êxodo continuado de profissionais.


Em concordância, a Presidente da ASPE defende, como medidas de retenção a necessidade urgente de proceder à regularização de concursos e processos de recrutamento. A instabilidade contratual e os atrasos sistemáticos nos concursos públicos são fatores que alimentam a desmotivação dos profissionais e contribuem para a perda de capital humano qualificado. A carência permanente de recursos e o recurso a falsas horas suplementares para manter os serviços em funcionamento estão a ter também um impacto muito negativo e urge corrigir.


Outro assunto em destaque por parte da ASPE foi a apresentação da proposta do regime de horário acrescido temporário, que visa permitir aos enfermeiros, de forma voluntária, o alargamento do seu horário de trabalho em determinados períodos, mediante contrapartida adequada. Esta modalidade pode representar uma resposta flexível às carências temporárias de recursos humanos, sem recorrer a medidas de cariz permanente.


No plano da organização do tempo de trabalho, foram explicadas as modalidades de horário concentrado e os seus respetivos trâmites administrativos. Esta proposta da ASPE permite, por exemplo, o cumprimento das horas contratuais em menos dias por semana, o que pode favorecer o equilíbrio entre vida pessoal e profissional, especialmente em zonas com carência de profissionais.


A ASPE defende ainda a necessidade de negociar, de forma específica, o regime de prevenção e chamada, atualmente regulado pelo Decreto-Lei n.º 62/79 apenas para médicos e a dedicação plena.


Concursos e Gestão

A Presidente da ASPE transmitiu que a ASPE está a monitorizar de modo sistematizado os avisos de abertura dos procedimentos concursais nas instituições do SNS e a assegurar o apoio aos seus associados nas reclamações e recursos. Este acompanhamento surge na sequência de diversas denúncias e suspeitas relativas a irregularidades na tramitação dos concursos públicos, particularmente no que diz respeito à transparência, imparcialidade e respeito pelas normas legais que regem o recrutamento e progressão nas carreiras de Enfermagem.


Foi ainda referido que alguns gestores têm adotado comportamentos de natureza punitiva e persecutória para pressionarem as suas equipas a aceitar falsas horas extra e alterações de horário de última hora. Estas práticas são vistas como uma forma de coação e intimidação, atentando contra os direitos laborais e merecem a devida atenção por parte das entidades fiscalizadoras.



Nesse sentido, a Ordem dos Enfermeiros referiu estar a acompanhar e monitorizar de perto o funcionamento das instituições de saúde, com especial enfoque na atuação dos seus gestores. Caso se confirmem práticas abusivas ou ilegais, a OE admite avançar com o levantamento de processos formais contra os responsáveis, com vista à responsabilização e correção dos comportamentos identificados. 



Prescrição por Enfermeiros


A Ordem dos Enfermeiros (OE) manifestou a intenção de criar um modelo de prescrição autónoma de Enfermagem, uma proposta que representa um passo importante na valorização da autonomia técnica e científica da profissão. Esta iniciativa pretende permitir que os Enfermeiros possam prescrever, de forma independente, determinados cuidados, produtos de apoio, consumíveis clínicos ou intervenções dentro do seu âmbito de atuação, especialmente em contextos de cuidados de saúde primários e gestão da doença crónica.


A ASPE, por sua vez, defende que, para que esta medida tenha eficácia e credibilidade, é essencial garantir a existência de um processo formal de validação da prescrição, bem como a emissão de uma receita reconhecida oficialmente. Esta formalização é vista como um passo necessário para garantir segurança jurídica, responsabilização profissional e integração plena da prescrição de Enfermagem no sistema de saúde.



No âmbito deste debate, a Ordem esclarece que defende uma proposta que conjuga dois modelos: a prescrição autónoma e a prescrição colaborativa. Esta abordagem mista permitiria aos Enfermeiros atuar de forma independente em áreas onde possuem competências reconhecidas, enquanto, noutras situações, poderiam partilhar responsabilidades com outros profissionais de saúde nomeadamente médicos, sobretudo na gestão da doença crónica. Esta gestão integrada seria particularmente relevante em áreas como diabetes, hipertensão ou cuidados paliativos, onde a continuidade e o seguimento próximo do utente são fundamentais.



Projetos e Modelos Assistenciais

Foi discutido um projeto em desenvolvimento pela Ordem que prevê a vigilância da Gravidez de Baixo Risco nas Unidades de Cuidados na Comunidade para as grávidas sem médico de família atribuído. A ASPE reconhece a importância dessa estratégia, mas defende a integração de Enfermeiros Especialistas em Enfermagem de Saúde Infantil e Pediátrica e de Saúde Materna e Obstétrica nas Unidades de Saúde Familiar (USF), considerando que a vigilância da gravidez e do desenvolvimento infantil são processos de promoção da saúde e fazem parte das carteiras básicas de serviços das USF. Realça ainda que, com a alteração do modelo de atribuição de incentivos das USF está criada a oportunidade para existir maior articulação interna de modo a aumentar a produtividade e remuneração dos profissionais. Consulte a proposta da ASPE aqui.



O objetivo desta proposta visa essencialmente reforçar os cuidados de proximidade, permitindo um acompanhamento mais eficaz de grávidas e recém-nascidos, promovendo a saúde materno-infantil no contexto dos cuidados primários, sempre focados na integração de cuidados e articulação interna das ULS.


Ambas as organizações defendem a criação de centros de nascimento de baixo risco para resolver o problema de falta de acesso a cuidados obstétricos. O modelo baseia-se no princípio de que cerca de 70% dos partos são considerados de baixo risco, o que abre espaço para que muitos deles possam ser geridos em ambientes extra-hospitalares ou em espaços independentes contíguos aos Blocos de Parto facilitando a transferência imediata em caso de necessidade. Ainda assim, foi destacado que o objetivo do projeto é garantir que, mesmo nesses contextos, esteja presente pelo menos um médico e um interno da especialidade, assegurando-se uma equipa multiprofissional preparada para responder a eventuais complicações.


A ASPE defendeu, no âmbito desta proposta, a importância de uma clara estratificação das urgências em 3 níveis - baixo risco, médio e alto risco. Esta medida permitiria distinguir melhor os diferentes níveis de gravidade e adequar as respostas clínicas em contextos otimizados, evitando-se a sobrecarga dos serviços de hospitalares e promovendo-se a eficiência do sistema através de uma resposta mais direcionada e adequada ao perfil clínico das grávidas.


Conclusão e Caminho a Seguir

A reunião encerrou cerca de 2 horas e meia depois, com a manifestação de abertura de ambas as organizações para continuar a debater em conjunto, respeitando o âmbito legal de atuação de cada uma, novas estratégias e medidas de valorização da profissão. Ficou desde já acordado que será debatido no início de setembro, em reunião conjunta com todos os sindicatos, o Modelo de Internato de Enfermagem proposto ao Governo pela Ordem dos Enfermeiros.


Juntos Construímos o Futuro!