ASPE pede intervenção do Presidente da República e do Parlamento sobre aplicação do regime excecional de horas extra aos enfermeiros do INEM
data de julho de 2025
A Associação Sindical Portuguesa dos Enfermeiros (ASPE) pediu formalmente a intervenção do Presidente da República e dos vários partidos com assento na Assembleia da República num assunto que implica os ministérios da Saúde e de Estado e das Finanças. Em causa está a aplicação abusiva – no entender da ASPE – de um diploma que diz respeito à carreira dos Técnicos de Emergência Pré-Hospitalar (TEPH) e que permite aos enfermeiros do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) ultrapassarem em muito o limite de 150 horas extraordinárias anuais previsto na lei.
Nas missivas endereçadas esta semana a Marcelo Rebelo de Sousa e aos líderes dos vários grupos parlamentares, a ASPE apresentou o parecer jurídico que sustenta a sua posição, bem como o pedido de intervenção urgente daqueles órgãos de soberania. Tudo porque se considera ilegal o princípio que fundamentou as autorizações dadas pela Ministra da Saúde, Ana Paula Martins, e pelo Ministro de Estado e Finanças, Joaquim Miranda Sarmento. Defende-se, igualmente, que o INEM deve apostar na contratação de mais enfermeiros e outros profissionais, e não no desgaste constante dos que diariamente prestam socorro às populações.
Na base da contestação deste sindicato encontra-se a aplicação aos enfermeiros do n.º 2 do artigo 19.º-A do Decreto-Lei n.º 60/2025, diploma que rege a carreira especial dos TEPH e prevê a possibilidade de se ultrapassarem os limites do trabalho suplementar.
E sobre horas extraordinárias, o INEM estima que um total de 171 enfermeiros ultrapasse as 250 horas extra anuais, perfazendo um total de 99 116 horas além das 250H até ao final do ano. Isto significa que cada enfermeiro fará cerca de 580 horas de trabalho suplementar além das 250h previstas – com a agravante que o limite anual que a lei prevê para os enfermeiros é de 150h/ano. Ou seja, estima-se que cada enfermeiro possa realizar cerca de 830h extra em 2025 – o que equivale a mais de 5 meses de trabalho!!!
A ASPE contesta o entendimento adotado pelo INEM, pela Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) e por membros do Governo – que têm autorizado, de forma excecional, o aumento das horas extraordinárias não apenas para os TEPH, mas também para os enfermeiros, médicos e outros profissionais do INEM.
Segundo a apreciação técnica e jurídica da ASPE, o regime excecional inscrito no Decreto-Lei n.º 60/2025 dirige-se exclusivamente à carreira especial dos TEPH. Apesar de o artigo 19º-A conter a expressão “independentemente da carreira”, a ASPE considera que essa interpretação isolada não pode ignorar o contexto e a lógica do diploma. Trata-se, pois, de um regime especial para responder à escassez de TEPH e não pode ser extensível, sem suporte legal claro, a outras carreiras.
Decisões baseadas em erro jurídico
A ASPE classifica esta situação como um erro jurídico crasso e um abuso de um regime já por si excecional. Nas missivas enviadas ao Presidente da República e ao Parlamento sublinha-se que a legislação em causa rege especificamente a carreira dos TEPH e que permitir que o trabalho suplementar dos enfermeiros possa ir além das 150 horas anuais configura uma violação das normas laborais e um ataque à conciliação entre vida pessoal e profissional.
A contestação enviada ao Presidente da República e aos partidos exige a “reposição da legalidade” com três medidas concretas:
- Reconhecimento do limite anual de 150 horas suplementares para os enfermeiros – em vez do limite de 250 horas extra, como é referido nos documentos do INEM;
- Pagamento de todas as horas suplementares efetivamente prestadas até à data;
- Abertura imediata de processos de contratação de enfermeiros para o INEM, de forma a resolver a carência estrutural de recursos humanos sem recorrer abusivamente ao trabalho extraordinário.
Esta associação considera que o processo ilustra uma sucessão de decisões administrativas tomadas com base numa interpretação errada da lei — erro que agora quer ver corrigido com a intervenção dos órgãos de soberania acima referidos.
Recorde-se que foi preciso invocar a lei do acesso aos documentos administrativos junto do Ministério das Finanças para a ASPE conhecer os documentos inerentes a este processo.
É igualmente importante referir que, perante um pedido de esclarecimento da ASPE enviado em junho, o INEM respondeu dizendo que o enquadramento legal aplicado aos enfermeiros é “juridicamente adequado”.
Um pedido específico que se tornou abrangente
Os documentos a que a ASPE teve acesso detalham que o pedido inicial do INEM, em abril deste ano, se limitava aos TEPH e ao período entre novembro de 2024 e agosto de 2025, motivado por carências operacionais e pela formação de novos técnicos.
Contudo, numa segunda versão remetida ao Ministério da Saúde em maio, o INEM estendeu o pedido a todos os trabalhadores da instituição, alargando também o período a dezembro de 2025. O argumento central passou a ser a necessidade de garantir a total operacionalidade dos serviços de emergência médica perante constrangimentos de pessoal.
Para a ASPE, esta mudança de âmbito foi aceite sem um exame jurídico rigoroso. A ACSS validou o pedido do INEM para todos os trabalhadores, considerando que o regime excecional do art.º 19º-A poderia abranger qualquer carreira no INEM. Em junho, o Ministério da Saúde, assim como o Ministério das Finanças deram autorizações formais para a não sujeição aos limites de trabalho suplementar de todos os profissionais do INEM, incluindo os enfermeiros.
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